Baluarte Sta. Teresa D´Ávila

SANTA TERESA DE JESUS E A COMUNIDADE DIVINA LUZ

Teresa de Ahumada nasceu em Ávila no dia 28 de março de 1515, filha de Alonso Sánchez de Cepeda e Beatriz de Ahumada. Foi batizada no dia 04 de abril na Igreja Paroquial de São João, data que, profeticamente, era inaugurado o mosteiro da Encarnação no qual ela iria entrar no futuro, como religiosa. Ávila era uma cidade conhecida pela sua bravura e vitalidade para guerras e batalhas. O momento em que Santa Teresa viveu, as glórias humanas eram muito visadas pelos homens. Não só as glórias conquistadas através das batalhas físicas (presentes em suas memórias), mas sobretudo o que chamava a atenção dos homens de sua época, era o início das expedições marítimas para a conquista de novas terras e honras humanas. Teresa cresceu em meio a esse clima. Em sua infância ouvia as histórias dos heróis de guerras, dos homens valentes e das mulheres que recebiam honras. A paixão pela guerra e pela glória foi algo que marcou a alma de Teresa desde sua infância e isso a contagiou de uma forma tão grande, que até mesmo a sua futura espiritualidade foi influenciada por esses aspectos.

Como a situação de rebeliões e tensões em Ávila aumentava, as crianças da casa dos Cepeda não mais recebiam histórias de guerras e batalhas; então, Teresa e Rodrigo (seu irmão, 4 anos mais velho) começaram a ler a vida dos santos. Foi a partir daí, que o coração da pequena Teresa não desejava mais imitar as pessoas que alcançaram glórias desse mundo como Jimena Blásquez, por exemplo, mas a do mundo futuro. Teresa agora queria ser como Santa Catarina. Algo que começava a chamar muito a atenção do coração de Teresa (e que a influenciaria até o fim da vida), era a meditação das coisas eternas. Ouvia, aos domingos, os sacerdotes pregarem sobre as realidades do Céu e do Inferno, e aquilo caia em seu coração como um raio, e a impactava de tal maneira que, ao descobrir o sentido da palavra “eterno”, passava horas com seu irmão Rodrigo, dizendo :“ – Para, sempre, Rodrigo… Para sempre!” Essa meditação se tornou tão presente na vida dessa criança, que ao pensar na história dos mártires, ela achava que eles “compravam muito barato o Céu” e começou a desejar imitá-los, não tanto por amor a Deus, mas para desfrutar da glória do Céu que ela havia aprendido com a vida dos santos.

A impressão da glória de que os mártires gozavam,causavam na pequena Teresa uma admiração humana tão grande, que quando ela soube (por volta de 1522) que os turcos haviam tomado a terra de Rodes, instaurando uma perseguição cruel aos cristãos, Teresa, na sua pureza de criança(mas sempre com desejos grandes), convoca o irmão Rodrigo para ir à terra dos mouros para juntos morrerem mártires. Ela acreditava que pegando uma estrada e mendigando pão, “pelo amor de Deus”, conseguiria chegar à terra dos mouros, para morrer pela fé. O entusiasmo era tanto, que ela pôs o plano em prática. Um dia, aos 7 anos, Teresa e Rodrigo saem, antes do dia amanhecer, fugidos de casa, para irem em direção aos Mouros. Entretanto, ao chegarem na estrada de Salamanca, encontraram com um tio que os levou de volta para casa. Recebendo um pequeno castigo pelo que havia feito, Teresa, então começa a querer imitar a vida monástica. Suas brincadeiras, nessa época, se resumiam a imitar as práticas dos mosteiros e eremitérios, colocando os irmãos para rezar, e se vestindo como religiosa.

Santa Teresa relata no seu “Livro da Vida” que recebera de sua mãe uma educação exemplar e muito piedosa. Ela aprendeu com sua mãe a rezar, a amar a Virgem Maria e a Igreja, a rezar o rosário, as histórias dos santos, etc. Contudo, sua mãe tinha uma prática que não foi para Teresa um bom exemplo. Beatriz de Ahumada costumava ler livros de cavalaria e romances. Depois de cumprir todas as obrigações do lar, ela sempre tinha esse passatempo. Seu esposo não gostava de tal prática e a repudiava dizendo que eram armadilhas que o demônio usava para as mulheres cheias de sentimentos e rapazes frívolos. Apesar disso, Beatriz permitia que seus filhos, sobretudo Teresa, também lessem um pouco desses livros, para que eles não se perdessem em outros perigos. Em 1528, quando Teresa tinha 13 anos, morreu sua mãe Beatriz de Ahumada. Ao sair do funeral, Teresa tomou seu irmão Rodrigo consigo e entrou na ermida de São Lázaro, na qual havia uma imagem de Nossa Senhora da Caridade. Diante desta imagem, Santa Teresa, em meio às lágrimas, suplicou à Santíssima Virgem que a partir daquele momento fosse Ela a sua Mãe.

A mãe de Teresa a havia preservado dos males do mundo, mas não a havia prevenido sobre eles. Então, depois que ela falecera, Teresa, já adolescente, tinha mergulhado a fundo na leitura de romances e livros de cavalaria. Isso, para ela, significava um grande mal e um grande esfriamento interior. Por influência dessas leituras, e por ser uma menina muito bonita, simpática, e que chamava a atenção de todos fazendo com que a elogiassem, começou a se preocupar com muitas vaidades, segundo o seu próprio relato:

“Acostumei-me a lê-los (livros de cavalaria); e aquela pequena falta que nela (sua mãe) eu via fez esfriar em mim os desejos, levando-me a me descuidar das outras coisas; e não me parecia ruim passar muitas horas do dia e da noite em exercício tão vão, escondida de meu pai […] Comecei a enfeitar-me e a querer agradar com a boa aparência, a cuidar muito das mãos e dos cabelos, usando perfumes e entregando-me a todas as vaidades. E eram muitas as vaidades, porque eu era muito exigente. Não tinha má intenção, não desejava que alguém ofendesse a Deus por minha causa. Durou muitos anos esse requinte demasiado, ao lado de outras coisas que não me pareciam pecado. E agora, vejo que mal deviam trazer.”

Teresa começou, sem perceber, a se esfriar das coisas espirituais e, mesmo sem má intenção, se voltava para as coisas do mundo, alegrando-se muito em ouvir elogios a cerca de sua beleza. Ela também já rezava com pouco fervor o terço, algo que sua mãe a tinha ensinado com tanto carinho e, além de passar horas lendo sobre romances de cavalaria, ela decidira também escrever histórias sobre heróis que ela mesma havia criado. Além disso, ela tinha alguns primos que moravam por perto e com os quais ela passou a conviver fortemente na adolescência. Esses primos se tornaram para ela más companhias e motivo pelo qual a sua alma ia se esfriando mais ainda na oração.

“Meus primos eram quase da minha idade, sendo pouco mais velhos que eu. Andávamos sempre juntos. Eles gostavam muito de mim, e conversávamos sobre todas as coisas que lhes davam prazer. Eu os ouvia falar de suas aspirações e leviandades, que nada tinham de boas. Pior ainda foi que a minha alma começou a não resistir ao que lhe causava todo o mal […] Assimilei todo o mal de uma parenta que frequentava muito a nossa casa […] Meu pai e minha irmã tinham muito desgosto com essa amizade, repreendendo-me frequentemente por mantê-la […] A verdade é que essa amizade me transformou a tal ponto, que quase nada restou da minha inclinação natural para a virtude; e me parece que ela e outra moça, que gostava do mesmo tipo de passatempo, imprimiam em mim seus hábitos.”

Ela convivia com esses primos e além da prima que a entretinha com as vaidades de que falava, existiam também os primos aos quais a santa também se afeiçoara. Não pensemos, pois, que Santa Teresa cometia graves pecados com estes parentes. Ela mesmo relata que, mesmo nessa época, ao examinar sua consciência, não se recordava de cometer sequer um pecado mortal.

Seu pai, percebendo o perigo que essa convivência poderia se tornar para sua filha, resolveu interná-la, aos 16 anos, num convento de monjas agostinianas (o que, na época, era uma espécie de colégio interno para meninas). Teresa, por apego a sua honra, não contou, de início, para as pessoas que ia para lá, mas foi em segredo, de modo que os primeiros dias se tornaram um grande sofrimento, não porque estava lá, mas pela vaidade que sentia. Em pouco tempo isso passou e ela já se sentia feliz naquele lugar.

“Naquele tempo, desgostava-me muito a ideia de tornar-me monja; apesar disso, eu apreciava ver as boas religiosas daquela casa, muito honestas, fervorosas e recatadas. E, no entanto, isso não impedia o demônio de me tentar nem as pessoas de fora de me desassossegar com recados. Como, porém, eu os desencorajasse, breve tudo teve fim. Minha alma reencontrou o bem de minha meninice, e vi o grande favor que Deus concede a quem põe em companhia dos bons.”

Neste convento, Santa Teresa conheceu uma religiosa chamada “Maria de Briceño”, que foi para ela uma verdadeira mãe e mestra espiritual, que a ajudou a retomar o gosto e as práticas da vida espiritual:

“Ela me contou que decidira ser monja apenas por ter lido as palavras do Evangelho: ‘muitos são os chamados e poucos os escolhidos.’ Ela me falava da recompensa dada pelo Senhor, a quem deixa tudo por Ele. Essa boa companhia foi dissipando os hábitos que a má tinha criado, elevando o meu pensamento no desejo das coisas eternas e reduzindo um pouco a imensa aversão que sentia por ser monja.”

A partir desse momento, Teresa começou a rezar e a pedir que rezassem por ela para que descobrisse o que Nosso Senhor desejava de sua vida. Quando ela começou a rezar, começou a sentir medo de ir para o inferno por causa da vida que ela tinha levado, e como desejava ardentemente o Céu, percebeu que o melhor caminho para isso era ser religiosa, embora ainda não o desejasse de todo o coração.

“Passei a pensar e a temer que talvez fosse para o inferno, caso morresse naquele momento. Apesar de a minha vontade de ser monja não ser absoluta, percebi ser essa a condição melhor e mais segura; e, assim, aos poucos, decidi forçar-me a abraçá-la […] Nesse esforço para decidir sobre a escolha de estado, acredito que me impelia mais um temor servil do que o amor.”

Santa Teresa decidiu, depois de muitas lutas interiores, abraçar a vida religiosa. Seu pai era contrário a essa ideia, por isso, tal decisão foi para ela muito custosa. No entanto, fugindo de casa, entrou para a ordem das carmelitas no mosteiro da Encarnação em Ávila. Apesar de tudo isso, ela sentia que, de fato, entrava numa vida nova.

“Quando tomei o hábito, o Senhor logo me fez compreender como favorece os que se esforçam por servi-Lo. Ninguém percebeu o meu esforço, mas só a minha imensa vontade. Ao fazê-lo, tive tal alegria de ter abraçado aquele estado que até permaneço com ela; Deus transformou a aridez que tinha a minha alma em magnífica ternura. As observâncias da vida religiosa eram um deleite para mim; na verdade, nas vezes em que varria, em horários em que antes dedicava a divertimentos e vaidades, me vinha uma estranha felicidade não sei de onde, diante da lembrança de estar livre de tudo aquilo.”

Depois de ter tomado o hábito carmelita, Santa Teresa foi atingida por uma estranha e grave doença na qual ela muitas vezes perdia os sentidos e sentia dores atrozes. Os médicos não sabiam mais o que fazer para curá-la, até que o pai decidiu leva-la a uma cidade chamada “Becedas” onde havia uma mulher que tratava de doentes através de remédios naturais. De nada adiantou: Teresa só piorava. Nessa época, seu tio Pedro, um homem de profunda oração, foi visitá-la e deu-lhe de presente um livro chamado “O Terceiro Abecedário” de um autor franciscano chamado “Francisco de Osuna”. Tal livro ensinava a alma a ter uma verdadeira vida de oração íntima com Deus. O livro foi de grande importância para Santa Teresa, que decidiu seguir com todas as forças o caminho proposto por ele. No entanto, a sua saúde declinava assustadoramente. Numa determinada noite, a santa teve um paroxismo e perdeu os sentidos por quatro dias. Os seus familiares já achavam que estava morta. No mosteiro da Encarnação já haviam preparado a sepultura e, num convento de frades, já se tinha rezado pela sua alma. Seu pai insistiu para que não a enterrassem logo, até que ela recuperou os sentidos.

“Eu tinha tanta pressa de voltar ao meu mosteiro, que fiz com que me levassem para lá nesse estado. Receberam viva quem esperavam morta;  o corpo, no entanto, estava pior do que morto, dando pena vê-lo. Era tamanha a minha fraqueza que posso dizer: tinha apenas ossos. Fiquei nessa condição por mais de oito meses. Mesmo tendo melhorado, fiquei paralítica por quase três anos. Quando comecei a andar de gatinhas, louvei a Deus. Padeci grande conformidade e, exceto no começo da doença, até com alegria […] Eu estava conformada com a vontade de Deus, mesmo que Ele me deixasse para sempre naquele estado. Eu ansiava pela cura, unicamente para voltar a ter solidão e orar, o que na enfermaria não era possível.”

Já no mosteiro, como não ficava curada, começou a mandar celebrar Missas e a recorrer à intercessão de São José. Foi quando a cura aconteceu. Ela se tornou grande devota de São José e este se tornou, para ela, um poderoso intercessor na sua vida espiritual e em todas as suas necessidades.

“Não me lembro até hoje de ter suplicado algo a São José que ele não tenha feito […] Se a outros santos o Senhor parece ter concedido a graça de socorrer numa dada necessidade, a esse Santo glorioso a minha experiência mostra que Deus permite socorrer em todas, querendo dar a entender, que São José, por ter-Lhe sido submisso na terra, na qualidade de pai adotivo, tem no céu todos os seus pedidos atendidos […] Não conheço nenhuma pessoa que realmente lhe seja devota e a ele se dedique particularmente, que não progrida na virtude; porque ele ajuda muito as almas que a ele se encomendam […] As pessoas de oração, em especial, deveriam ser-lhe afeiçoadas […] Quem não encontrar mestre que ensine a rezar tome por mestre esse glorioso Santo, e não errará no caminho.”

O Mosteiro da Encarnação, no qual a santa havia entrado, era um mosteiro carmelita. mas naquela época, o que estava em voga no Carmelo, era a regra mitigada, isto é, não mais a regra original austera na qual a ordem tinha sido criada, mas uma regra adaptada onde não havia tanta austeridade. Na regra mitigada, não se observava clausura nos carmelos. Eram muitas monjas em um convento (180 no mosteiro da Encarnação) e as irmãs podiam ter renda própria, dentro dos mosteiros, o que fazia ter monjas com dinheiro e outras, nem tanto. O convento tinha sua piedade e vida de oração, mas não existia aquela austeridade inicial da ordem. Essa foi a situação que Santa Teresa encontrou nos seus primeiros anos de religiosa. Depois dos fatos narrados até aqui, Teresa de Ávila foi esfriando um pouco mais em sua vida interior. Ela passou por uma grande tentação do demônio na qual ela via os seus pecados e se sentindo muito indigna da presença de Deus, começou a deixar de rezar, acreditando que com isso estava sendo humilde. Além disso, Santa Teresa era sempre mandada para o locutório para conversar com os benfeitores do convento, entre homens e mulheres, e isso começou a provocar nela um certo apego a uma pessoa.

“E assim comecei, de passatempo em passatempo, de vaidade em vaidade, de ocasião em ocasião, a envolver-me tanto em tão grandes ocasiões e a estragar a alma em grandes vaidades que tinha vergonha – em tão particular amizade como é tratar de oração – de me aproximar de Deus […] Esse foi o mais terrível engano que o demônio me podia fazer sob a capa de humildade: por me ver tão perdida, passei a temer a oração.”

O Senhor, no entanto, sempre arranjava um meio de mostrar-lhe a Sua vontade. Certa vez, Jesus apareceu para ela mostrando-lhe o quanto aquelas conversas o desagradavam. E em outra ocasião, estando a santa no locutório com aquele grupo, viu um sapo muito grande correr depressa em direção àquela pessoa a cujas conversas ela estava se apegando. Santa Teresa não era uma grande pecadora, cujo coração está distante de Deus, porém, ela ainda não era a santa que haveria de se tornar posteriormente. Tinha uma vida de oração, mas não havia se decidido totalmente em viver para Deus, cortando tudo aquilo que lhe afastava do Senhor.

“Davam-me grande alegria todas as coisas de Deus, mas eu me via ligada às do mundo. Tenho a impressão de que desejava conciliar esses dois contrários, tão inimigos um do outro; a vida espiritual e os gostos, alegrias e divertimento dos sentidos. Na oração, eu passava por grandes trabalhos, porque o espírito não era senhor, mas escravo; por isso, eu não podia me recolher dentro de mim (que era o meu modo de proceder na oração) sem levar comigo mil vaidades.”

“Singrei nesse mar tempestuoso quase vinte anos, caindo e levantando – levantando-me mal, pois voltava a cair. Era tão pouco a minha perfeição que quase não me importava muito com os pecados veniais, e, embora temendo os mortais, nem por isso me afastava do perigo […] Nos contentamentos mundanos, era atormentada pela lembrança do que devia a Deus; quando estava com Ele, era perturbada pelos contentamentos do mundo. É tão dura essa batalha que nem sei como suportaria um mês, quanto mais tantos anos […] Desse modo, afora o ano de que falo, em vinte e oito anos de oração, passei mais de dezoito nessa luta entre lidar com Deus e lidar com o mundo.”

Santa Teresa passou quase vinte anos nesse estágio de luta interior no qual o Senhor a chamava para ser santa e ela, sentindo esse chamado, não mergulhava em águas profundas, mas permanecia apegada às distrações. Segundo ela, muitas vezes lhe era mais fácil praticar uma penitência grave do que ficar recolhida em oração. Porém, o Senhor interviu de uma forma poderosa em sua vida, porque Ele a queria para si numa vida altamente santa. No ano de 1553, aconteceu o que chamam de sua “reconversão”. 

“A minha alma já estava cansada e, embora quisesse,  seus maus costumes não a deixavam descansar. Aconteceu-me de, entrando um dia no oratório, ver uma imagem guardada ali para certa festa a ser celebrada no mosteiro. Era um Cristo com grandes chagas que inspirava tamanha devoção que eu, de vê-lo, fiquei perturbada, visto que ela representava bem o que Ele passou por nós. Foi tão grande o meu sentimento por ter sido tão mal-agradecida àquelas chagas, que o meu coração quase se partiu; lancei-me a seus pés, derramando muitas lágrimas e suplicando-lhe que me fortalecesse de uma vez para que eu não O ofendesse […] Creio que eu disse que não me levantaria dali enquanto a minha súplica não fosse atendida. Tenho certeza de que isso me beneficiou, porque a partir de então fui melhorando muito.”

Esse acontecimento diante do Cristo chagado, foi para ela um divisor de águas. Nesse momento aconteceu a primeira graça mística no interior da alma da santa: foi quando ela havia perguntado a Nosso Senhor porque havia sofrido tanto, ao que Ele respondeu em seu coração, que era por conta das conversas vãs que ela tinha no locutório e por tantas vezes abandonar a oração. Nessa época, ela já tinha cerca de 40 anos, quando verdadeiramente iniciou sua vida mística. A partir disso, Santa Teresa avançou muito na vida espiritual, crescendo muito no amor a Deus e consolidando aquela máxima que ela tanto ensinaria depois: que na vida espiritual era preciso ter uma “determinada determinação”.  O ato de decisão dela por Jesus foi completo e verdadeiro. Começou a ter várias experiências místicas, inclusive a visão do inferno, a luta com os demônios, as levitações e êxtases de amor, visões de anjos e, até mesmo a graça da “Transverberação” do coração e do “matrimônio espiritual” com o Senhor (graças místicas que o próprio Deus quis concedê-la). Em sua vida, teve contato com vários santos que instruíram a sua alma, mas sobretudo nesse período, destacam-se dois deles: São Pedro de Alcântara e São Francisco de Borja.

Nessa época, o protestantismo tinha acabado de nascer e estava realizando um verdadeiro estrago na Europa, acabando com a fé de muitas pessoas e até mesmo padres e bispos estavam deixando seu ministério e a sua fé. Santa Teresa, vendo a Igreja nessa situação, sentiu-se muito triste e, ao mesmo tempo, impelida a fazer algo pelo Senhor e por sua Igreja. Sentiu no coração que o que devia fazer era viver a seguir o seu chamado de Religiosa “respeitando a Regra com a maior perfeição possível”. Como a ordem carmelita não estava vivendo o seu carisma fundante, Deus então começou a suscitar no coração da santa o desejo de viver a regra no seu rigor inicial. O Espírito Santo começou a conduzir aquela mulher e mostrar-lhe a vontade de Deus: fundar um mosteiro carmelita onde se observaria a regra inicial com toda a sua austeridade, para que ali as almas buscassem uma intimidade profunda com Deus e se imolassem, através de uma vida de oração e penitência,pela Igreja Católica. 

“Certo dia, depois da comunhão, Sua Majestade me ordenou expressamente que me dedicasse a esse empreendimento com todas as minhas forças, prometendo-me que o mosteiro não deixaria de ser feito e dizendo que ali seria muito bem servido. Disse-me que devia ser dedicado a São José; esse Santo glorioso nos guardaria uma porta e Nossa Senhora, a outra; Cristo andaria ao nosso lado, e a casa seria uma estrela da qual sairia um grande resplendor.”

Depois de tratar com seu diretor espiritual, com o provincial da ordem, de receber confirmações de Deus e de reunir outras irmãs que tinham também o desejo de uma vida mais profunda (e que também foram usadas por Deus para suscitar esse desejo no coração da santa), em 24 de Agosto de 1562, Santa Teresa fundava o convento de São José, o  primeiro Mosteiro das Carmelitas Descalças (nome que se atribuiu à reforma carmelitana de Santa Teresa). Mudara então de hábito e passara a se chamar Teresa de Jesus. Ela, e as suas mais novas filhas espirituais, sofreram muitas perseguições por parte da ordem, de padres, de pessoas da cidade que queriam destruir o convento por não apoiarem a reforma, e muitas outras. Mas sendo obra de Deus, tudo passou. 

“Nessa época, chegaram a mim notícias sobre os danos e estragos causados na França pelos luteranos, e sobre o grande crescimento que esta seita experimentava. Isso me deixou muito pesarosa, e eu, como se pudesse fazer alguma coisa ou tivesse alguma importância, chorava com o Senhor e Lhe suplicava que corrigisse tanto mal. Eu tinha a impressão de que daria mil vidas para salvar uma só alma das muitas que ali se perdiam. E, vendo-me mulher, imperfeita e impossibilitada de trabalhar como gostaria para servir ao Senhor, fui tomada pela ânsia, que ainda está comigo, tendo Deus tantos inimigos e tão poucos amigos, de que estes fossem bons. Decidi-me fazer o pouco que posso: seguir os conselhos evangélicos com toda a perfeição e ver que essas poucas irmãs que aqui estão, fizessem o mesmo […] Assim, ocupadas todas em orar pelos que são defensores da Igreja, pregadores e letrados que a sustentam, ajudaríamos no que pudéssemos a este Senhor meu, tão atribulado por aqueles a quem fez tanto bem […] Ó, irmãs minhas em Cristo! Ajudai-me a suplicar isso ao Senhor, pois foi com esse fim que Ele vos reuniu aqui […] O mundo está sendo tomado pelo fogo; querem voltar a condenar Cristo, como se diz, pois se levantam mil testemunhos falsos, pretendendo derrubar a Sua Igreja. E vamos perder o tempo em súplicas que, se fossem ouvidas por Deus, talvez levassem a se perder mais uma alma no céu? Não, minhas irmãs; não é hora de tratar com Deus de coisas pouco importantes.”

A Madre Teresa de Jesus, depois de fundar o mosteiro de São José, estava quase em sua total união com Deus, e suas experiências místicas, presenciadas pelas irmãs, fizeram com que estas pedissem à madre que lhes ensinasse a rezar e a ter vida espiritual. Foi quando a santa escreveu o livro chamado “Caminho de Perfeição” (Ela já havia escrito sua autobiografia). Essa comunidade era para ela uma alegria e ali vivia o que sempre desejou. Ela achava que a vontade de Deus já tinha se concretizado de modo pleno, vivendo a regra primitiva naquele convento com as irmãs, que Nosso Senhor havia chamado. No entanto, Deus queria que a reforma teresiana se alastrasse por toda a ordem carmelita e, por consequência, por todo o mundo. Quando Teresa entendeu a vontade de Deus, sendo impulsionada pelo incentivo do Padre geral da ordem dos carmelitas, ela começou a fundar outros mosteiros com a regra original do Carmelo. Começava então uma longa jornada de fundações. Santa Teresa, como uma valente guerreira do Senhor, partiu em longas viagens para diversas partes da Espanha, para fundar mosteiros, onde ali as moças poderiam se enclausurar para viver uma vida “escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,3). Logo na sua segunda fundação, na cidade de “Medina del Campo”, ela sentiu a necessidade de que o ramo masculino da ordem (isto é: padres e religiosos) também fosse reformado. Nessa cidade conheceu São João da Cruz, que se tornaria seu grande amigo, filho e pai espiritual, que seria seu braço direito para a reforma dos frades carmelitas. São João da Cruz desejava se entregar a Deus numa vida intensa de oração e sacrifício, mas estava desanimado com a situação fria em que a ordem se encontrava espiritualmente; por isso, estava decidido a entrar para a ordem dos cartuxos. Foi exatamente nesse momento que ele, recém ordenado sacerdote, conheceu a Madre Teresa de Jesus que lhe falou de sua reforma e o convocou para trabalhar nela. 

Teresa d’Ávila e João da Cruz empreenderam, a duras penas, uma grande reforma da qual futuramente sairia muitos santos. Santa Teresa, em vinte anos (até a sua morte), fundou dezessete mosteiros em toda a Espanha, criando uma família espiritual totalmente nova e muito providencial para a Igreja. Os mosteiros carmelitas são, até hoje, lugares onde mulheres morrem para o mundo e vivem enclausuradas numa vida totalmente doada ao Senhor, através da oração. É um celeiro de almas livres e felizes, de onde saem graças que sustentam a missão da Igreja no meio do mundo: motivo pelo qual o demônio cultiva um ódio enorme à vivência dessa regra desde seu início.

Santa Teresa de Jesus se tornou uma grande mestra espiritual de toda a Igreja. Em sua vida, nos deixou muitos escritos. Dentre eles, os principais são: “Livro da vida” (autobiografia), “Caminho de perfeição”, “Fundações” e “Castelo Interior ou Moradas”. A doutrina deste último é um resumo e uma coroação de todo o seu conteúdo espiritual que muito foi útil à Igreja. Santa Teresa nos mostra que, ainda nesta vida, é possível alcançar uma santidade na qual a alma se una a Deus tão perfeitamente de modo que não sejam mais dois, mas um só.Ela alcançou esta união perfeita de amor e nos ensina estes caminhos em seus escritos. Tais passos foram galgados por muitos santos no decorrer dos séculos e ainda hoje inspiram os filhos da Igreja na luta para a santidade.

“Temos de largar tudo para nos aproximar interiormente de Deus e, mesmo em meio às ocupações cotidianas, retirarmo-nos em nós mesmas. Embora dure um breve momento, a recordação de que tenho companhia dentro de mim, é muito proveitosa […] Em suma, esteja persuadido de que, se o desejar, sempre poderá estar na companhia tão boa de Deus, devendo ter pesar quando deixar sozinho, por muito tempo, seu Pai, pois necessita Dele. Se puder, esteja com Ele muitas vezes ao dia; caso não o possa, poucas. Adquirindo o hábito, sairá com ganhos cedo ou tarde. Depois que o Senhor lhe conceder esse favor, não o trocará por nenhum tesouro.”

Santa Teresa, depois de muito se doar interior e exteriormente para a Igreja na sua ordem carmelita, com a saúde excessivamente debilitada, morreu em 1582 na cidade de “Alba de Tormes” em um mosteiro que ela havia fundado. Foi, posteriormente, canonizada e proclamada doutora da Igreja.

A comunidade Divina Luz tem Santa Teresa de Ávila como baluarte pois, sendo mestra da oração, ela nos ensina que em meio a tantos afazeres, nosso primeiro chamado é à oração. De nada adianta todas as obras, todas as missões, se não estivermos buscando a união com Deus numa vida santa. Ele, ao nos chamar para servir numa comunidade, pensa primeiro na nossa própria salvação, na nossa própria santidade; ao nos dar um carisma, Ele nos dá um meio mais fácil pelo qual conseguiremos encontrá-Lo, isto é: o Senhor nos dá um carisma para nos fazer rezar melhor. Tudo consiste na oração e o êxito de nossas missões depende dela. Antes de tudo, esse é o nosso primeiro chamado: deixarmos o pecado para vivermos a santidade numa vida de amor. A Comunidade Divina Luz também vê, em Santa Teresa, um coração que deseja ardentemente salvar as almas, e que emprega todos os meios necessários para que isso aconteça. Ela nos ajuda a perceber que as almas são preciosas para Nosso Senhor e que Ele sofre por vê-las longe de Si. Para resgatar as almas da morte espiritual, é preciso sacrifício e oração, bem como trabalho e busca pela santidade. Esta santa nos mostra que, para chegar à santidade, é preciso ter uma “determinada determinação”, pois o demônio sempre tentará nos tirar da vida de oração. Ela também nos ensina, na vida fraterna, a sermos alegres e muito humanos como ela era. Apesar de muito mística, não deixava de ser sempre bem-humorada e humilde: nisto também consistia sua santidade. Teresa nos mostra que uma alma que experimentou o amor de Deus, é transformada em todos os aspectos da sua vida, por isso ela está sempre vigilante para perceber as investidas do inimigo e vê, em cada situação, a presença de Deus. Que ela nos ensine sempre a olharmos para dentro de nós e termos uma profunda vida de oração, de modo que o Senhor nos transforme em grandes santos, isto é, almas unidas a Ele.

“Deus, com certeza se dá a todos os que deixam tudo por Ele.”

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